2009-02-27

Albardas e selins

Anseio pelo dia em que se possa praticar qualquer profissão com a indumentária que nos aprouver! E depois o sexismo: Se é fémea pode usar o que quiser, mas se é macho tem que ser fato e gravata...

Puta que os pariu a todos! Labregos, verdadeiramente boçais!
Janela opaca que me vês ao longe
com grito que chama por ti

Reflexo que não sinto
que não tem cor

Prisma que foras na leveza
do ondulante eco
esvoaçante no murmúrio do horizonte

Incolores são as formas fuscas
da interrompida reciprocidade

Lá longe há um mar que cintila
que reflecte cores invisíveis
no daltonismo da alma errante
na mordaça da mágoa distante

Lá longe ninguém
nada
prece profanada
afogam-se cores num vintém

Filantropia

Num mundo em que todos vivem para si, ajudar os outros, para mais quando tal não nos é expressamente solicitado, pode tornar-se ridículo...
E depois corre-se sempre o risco de ainda dizerem: "Olha-me este grandessíssimo filho da puta, aqui armado em bonzinho!"
Porreiro é o gajo que fala pouco, que guarda tudo para si, que não reparte, que não se interessa... O gajo cool! O tal neo-individualista que personifica os moldes teóricos do neo-liberalismo...
Um dia ainda hei-de ser uma pessoa assim! Até lá, vamos ajudando o próximo, antevendo que ele secretamente nos apelida de tanso... Mas cada vez menos, cada vez menos...

2009-02-25

Do que gosto na Natureza

Não gosto da generalidade das pessoas e acho alguns bichinhos giros enquanto não cagam em sítio onde o montulho não faz falta.

Gosto de árvores! Não falam nem chateiam e podá-las dá gosto!
De entre as que gosto, estas são as minha preferidas:

Para além de serem verdadeiros sobreviventes, os sobreiros têm formas inigualavéis. Este ano já salvei uns quantos e plantei outros mais. Vou continuar! :)

2009-02-23

Enchidos gourmet - A sequela


Poderia falar sobre as novas variedades de azeite que são feitas actualmente, nomeadamente daquela raríssima iguaria usada na tibórnia d'ouro, com pepitas douradas flutuantes em líquido proveniente da azeitona. Poderia até dizer que "os especialistas dizem que o ouro é excelente para a saúde", como li num jornal regional de primorosa qualidade, aquando da divulgação deste novo produto. Mas não o vou fazer. Em jeitos básicos e simplórios, falarei apenas de uma das minhas últimas incursões no modelo continente.
Sequioso por reabastecer o meu stock de alheiras para, por mero devaneio, me poder deleitar ocasionalmente com o prazer de um desses singulares enchidos, acompanhado de dois ovos estrelados e servido com pão caseiro, eis que me deparo, numa airosa prateleira desse hipermercado, com um conjunto de cinco alheiras acondicionadas numa única embalagem e com um preço especialíssimo. Como estavam cheias de selos de qualidade, decidi aproveitar aquilo que, à primeira vista, me parecia uma promoção imbatível e assim realizar de forma plena o meu inicial desiderato.
Devo confessar que as ditas tinham muito bom aspecto e não negarei o facto indesmentível de alguma saliva se ter aglomerado no interior da minha gulosa cavidade bocal aquando do visionamento das mesmas.
Poucas compras mais fiz nesse dia, para lá de uma dúzia de ovos xl, após o que me pûs a correr para casa em grande alvoroço, com desejos gourmet que há muito não sentia, dignos de um qualquer campesino rural, ansioso pelo atulhar do odre. Pelo que, de uma forma bácora e aturdida, rasguei freneticamente a embalagem ao chegar a casa, concretização do prenúncio gastronómico em frigideira posto, que me tinha assolado a imaginação durante o bucólico passeio pela grande superfície.
Ao abrir a embalagem, reparei que a mesma exalava um odor nauseabundo, semelhante ao do rio Ganges em dias de calor sufocante. Rapidamente me passou pela cabeça uma imagem nefasta, que se concretizava num indíviduo grosseiro e dotado de gostos simplórios a literalmente esganar o Belmiro, com esguichos de sangue e vísceras por tudo quanto era canto.
Acalmei-me porém e, aventando a hipótese de o meu odor estar desvirtuado, fruto da sofreguidão pela imagem do enchido gordurento, que me preenchia o intelecto desde que encontrei a embalagem promocional, chamei a minha namorada, para que me pudesse dar uma segunda opinião acerca das fragrâncias por mim sentidas e que não eram bom prenúncio.
Acalmei-me quando a sua opinião foi de encontro à minha, voltando novamente a visualizar o Belmiro num auto de fé, sendo eu o carrasco maligno que velaria pela sua morte lenta e dolorosa.
Passados uns minutos, estando eu já resignado e ciente de que me tinham dado o banho e teria que voltar ao hipermercado para fazer a devolução da embalagem, sem que ninguém me pagasse honorários pela deslocação, e enquanto a minha namorada continuava a examiná-la minuciosamente, oiço da sua boca a seguinte frase:
-"Olha lá, isto são alheiras de sabores, diz aqui que duas são de caça, uma de avestruz, uma de caril e outra de noz e mel!"
Por esta altura estava desfeito o enigma, embora o cheiro da minha cozinha fosse já semelhante a um sortido de especiarias paquistanesas acepipado com laivos de catinga.
Solução: Separar as de caça e de avestruz das demais e embalar as restantes individualmente. (por esta altura, na minha cabeça, o Belmiro já tinha morrido há muito tempo e os seu defunto corpo apresentaria um aspecto semelhante ao do senhor Sadam aquando daquelas belas fotografias e vídeos que rodaram meio mundo)
Passados uns dias, e já depois de as três alheiras normais terem recuperado o seu áureo odor, na falta de melhor, decidi cozinhar, a título de experiência empírico-mata-bíchica, a de mel e noz, com vista a um possível enriquecimento do meu léxico gastronómico e, quiçá, descobrir a nova maravilha da humanidade sob a forma de ferradura.
Devo dizer que a minha namorada não viu a coisa com bons olhos, para mais estando ainda a desfalecer de uma recém contraída intoxicação alimentar que lhe enfraquecia todos os recantos do seu frágil aparelho digestivo. O cheiro exalado durante o acto da confecção não augurava grande petisco, embora o incentivo de um frigorífico despovoado parecesse, à data, um belo pretexto para uma experiência com enchidos gourmet.
Confeccionada a iguaria e apagado o fogão, logo me apressei a dar uma trinca na coisa. Não vou contar o que senti, porque há coisas que não lembro com saudade, mas recordo que, por uma questão de piada e até de algum sadismo jocoso, confesso, exibi uma expressão semelhante àquela que ostenta um miúdo pequeno aquando da primeira vez que prova fios de ovos, tudo isto para, numa partidinha de mau gosto, atordoar a minha cara metade com o prazer do enchido gourmet.
Estejam descansados que por isto não veio mal ao mundo, até porque ela teve o bom senso de cuspir o fragmento da exótica iguaria meio segundo depois de a ter levado à boca. Rimo-nos que nem uns perdidos durante uma boa meia hora e, penso, esta será a alheira mais marcante das nossas vidas.
Quanto à outra, a de caril, ainda está guardada no frigorífico, à espera de um qualquer amigalhaço que se apresente em nossa casa com apetite. Um qualquer que me venha com a conversa de que é muito selecto e que tem um paladar apuradíssimo e que só bebe whisky de 15 anos para cima e de que whisky novo não presta mesmo que seja irlandês e triplamente destilado e de que comida boa só na Bica do Sapato e tal. Que me apareça um desses que come logo com ela!
Reservo-me os direitos de ler, dormir, insultar e comer cartolas.

2009-02-22

Petit Gâteau com sorbet de limão

Perdoem-me o vernáculo, mas fode-me aquela gente que, de tão só, procura desesperadamente reconhecimento no seio de um grupinho insípido de gente também verdadeiramente só… mas fashion. Perdão, gourmet.

É, de resto, o processo subjacente a esta forma de vida. Viver pelo reconhecimento e não pelo gosto das coisas, sejam elas simples ou complexas. Buscar incessantemente o elitismo pela incapacidade de gerar empatia com quem vive sentindo. E na ânsia de dar sentido a uma (in)sensibilidade anormal encontra-se aí a evidência de que sendo diferente do outro não se pode senão ser mais do que este.

Mas não deixa de ser necessário sentir.
Sentir…?
A cultura gourmet não é mais do que a tentativa de criar uma teoria de prazeres sensoriais… requintados. E nenhuma teoria procura mais do que explicar, atribuir um sentido credível a um determinado fenómeno. Compreendo. É portanto necessário encontrar as leis base de um processo que não sendo espontâneo ainda assim se pretende perseguir. Assim faz esta gente com os exóticos e requintados prazeres da vida porque os simples não lhes saem de forma natural (e assim sendo, isso não pode ser senão coisa plebeia). Como é óbvio, é necessário tentar emprestar uma linguagem aparentemente credível para justificar predilecções perfeitamente idiotas.

É esta a gente que espera o mais recente e inútil estrageirismo para o utilizar sofregamente de forma a evitar pronunciar as palavras utilizadas pelo povo – não vá confundir-se com ele, porque o povo é matéria disforme no seio da qual o requinte não faz qualquer sentido.

Afinal as elites comem risotto de camarão porque arroz seria ultrajante. Acompanhá-lo com um bom vinho branco não chega. Tem que ser um esplendoroso vinho branco e convém que seja um “late harvest” de 2004, contido numa garrafa desenhada por um “designer” de renome. Como é óbvio, é quase tão fundamental que seja caro como é fundamental que os outros saibam disso. Não interessa conhecer outros vinhos porque se os convivas quiserem falar do tema, seguramente ficarão satisfeitos em saber que foi recomendado por um amigo que, para além de profissional brilhante aos 25 anos, tem um sobrenome do qual já todo o país ouviu falar. E interessa gostar de vinho? Claro que não! O que interessa é saber que está classificado como “gourmet” porque a habituação ao sabor há-de vir por si. Fode-me aquela gente que faz do vinho motivo de reconhecimento e não de memória.

Desconfio que grandes fortunas se farão quando alguém, movido por um espírito empreendedor, ou melhor, entrepeneur, começar a o verdadeiro “enchido gourmet” que, claro está, será fumado em madeira proveniente da baixa pombalina. Será uma tremenda oportunidade de negócio no nicho gourmet uma vez que cumpre todos os requisitos de uma iguaria bem sucedida – saborosa, sofisticada, rara, cara… e profundamente idiota. De resto, e excluindo a classificação de “saborosa”, estes são adjectivos perfeitamente passíveis de ser utilizados se quisermos definir esta elite.

É esta a gente que no final do dia não encontra melhor remédio para uma existência tão patética do que uma bela sessão de choro e a redenção sob a forma de fluoxetinas. Vidas verdadeiramente glamourosas.

2009-02-20

Tive umas infiltrações em casa. Mandei lá uns trolhas tratar daquilo e deixaram-me a casa toda esburacada, mais, cobraram-me cem euros.
Dizia eu, tinha umas infiltrações pelas quais paguei cem euros mais dois buracos na parede.
Tenho...? Exactamente, tenho dois buracos, aliás, tinha...
Fui comprar umas coisas no brico-marché, gastei 40 euros e remendei os buracos. Poupei sessenta euros, suponho.
Mas a história interessante é outra:
Estava no brico-marché às 9:30 da manhã. Eu e outro indivíduo com cara de mau, tipo Clint Eastwood no Dirty Harry. Entrámos ao mesmo tempo, mal aquilo abriu. Fui-me cruzando com ele pelos corredores, várias vezes aliás. Eu com um cesto onde ia colocando as minhas compras, ele sempre sem nada nas mãos. Para aí à quarta vez que nos cruzámos, apareceu outro indivíduo que o cumprimentou. Disse-lhe qualquer coisa como: "Então o que é que estás aqui a fazer?" Ao que ele respondeu, com olhar cabisbaixo e em tom rude: "Oh..., passar o tempo, dar uma volta..."
Por volta das 10:20, dirijo-me à caixa para pagar as minhas compras. De relance, vejo-o sair sem nada nas mãos...
Fui pôr as compras ao carro, após o que ainda me dirigi à tabacaria para comprar o maço do costume. Olho de relance para a esplanada interior do café e vejo-o novamente. Sentado numa mesa, com olhar petrificado e circunspecto.
Provavelmente aquele homem estaria disposto a comprar cenouras, mas adivinha-se que nem dinheiro para isso teria... É a crise... E a depressão vai sendo contagiante... Afecta todos, mesmo os que têm dinheiro para comprar cenouras...

2009-02-19

Does the body rule the mind, or does the mind rule the body, I don't know...

Um gajo está deprimido, grande merda.
Depois fica doente e continua deprimido, merda maior.
Depois passa a doença e continua a depressão, puta que a pariu.
Depois passa a depressão e..., Fuck yeah!!!
Depois a merda da incisiva dor de dentes... Não se pode ir ao dentista porque está infectado. Tomam-se quilos de antibióticos e anti-inflamatórios e, mesmo assim, tem que se ir à casa de banho de 5 em cinco minutos aliviar as picadas incisivas com algum elixir.
Para a pergunta do senhor Morrisey tenho a mesma resposta que ele. Acrescento apenas que já estou outra vez a ficar deprimido...

Cidade da Justiça - Lisboa

Pergunta que se impõe:
Como foi possível este empreendimento:
Resposta A- O estado comprou os edifícios.
Resposta B- O estado arrendou os edifícios a "pessoas carenciadas".
Certezas não tenho, mas suponho que a resposta B seja a correcta, pelo menos assim mo vão dizendo as pessoas com quem falo...
Uma coisa me traz alívio: É que, a seguir à leitura breve do novo código do trabalho, que prevê horários de 12 horas diárias, numa espécie de abandono do primado "trabalho-direito" que norteou a evolução do direito do trabalho a seguir à revolução industrial, contento-me com o facto de ver o estado a vestir efusivamente o seu papel de providência. Afinal de contas, o auxílio a "pessoas carenciadas", nem que seja por meio de arrendamentos dos imóveis de que estas são proprietárias, também vai cumprindo os desideratos do estado social.
Ontem fui golfinho que engoliu tubarão! Sabe bem...
Segredo?
Dar a outra face e ir mordiscando lenta e suavemente, com calma, com muita calma e serenidade...

2009-02-17

Comprei uma rifa na feira dos sonhos. Saíu-me a paixão. Desfrutei dela até ao dia em que ma pediram. Dei o fragmento que pude, não dei mais. Pediram-me o resto, disseram-me que essa rifa não cabia no meu destino, que era uma rifa enorme e monstruosa, reservada apenas aos que neste mundo não vivem. Nesse dia saíu-me outra rifa sem ter que a pedir: O vilipêndio do gesto que se faz a quem tirou rifas que não lhe agradaram!
Moral? Tenho uma, chama-se paixão. Numa coisa não me enganaram, a rifa que me saíu apenas está reservada aos que neste mundo não vivem. Fiquei petrificado. Cinzelei a pedra, esculpo-me sob uma forma para quem me quiser observar!
A rifa, essa, tinha um pequeno escrito no reverso: Quando não aguentares vai, mergulha no lado das paixões que não te deixam..., e volta, cheio de força. Reserva as paixões que te merecem, esquece as restantes...

2009-02-16

Têm-me acusado de não ter ética...

Ética é:

Aniquilar toda a gente que perturba a vida em sociedade. Em suma, ética é exterminar a raça humana, porquanto todos nós disso fazemos um pouco.


Atente-se em duas imagens:

(Deusa Dike - Grega)



(Deusa Iusticia - Romana)

Moral da história: Para os olhos estarem abertos, os pratos estão desnivelados e só quando os olhos se fecham podem os pratos nivelar-se.

A ética, afinal, não passa de justiça feita de olhos abertos... Um problema apenas, quando os olhos se abrem vêem tudo, inclusivé as carteiras e o estatuto de cada qual...

2009-02-15

A faculdade

Tive um professor, na cadeira de relações económicas internacionais, com o qual nunca aprendi nada acerca da disciplina que leccionava. Tudo o que sei sobre balanças comerciais e sobre o GAT, aprendi-o sozinho, através da leitura de uma boa pilha de páginas. No entanto, esse professor ensinou -me duas coisas muito importantes e que ainda hoje guardo:
1ª- Numa oral nunca se diz "não sei", diz-se sempre "não estou bem a ver".
2ª- O Pacheco Pereira é o único homem inteligente no PSD.
Quanto à segunda questão, não é que tenha sido esse tal professor a ensinar-ma, ele apenas a enunciou. Vim a aprendê-la uns anos mais tarde, quando descobri que ser inteligente é saber que nada faz sentido e tudo é criticável. É ter várias morais e nenhuma ética. Bem aventurados os que não se ofendem com a inteligência, pois é sinal que a trasportam...

La mala educacion sem jeitos vitorianos, ou como é bom ser trolha com os demais...

Ser mal educado é interessante. Ao fim e ao cabo, apenas se usam modos rudes para expressar aquilo que, elegantemente, expressam os costumes vitorianos... Era bom que estivéssemos sempre em posição de poder ser mal educados, mas tal conjuntura não se reúne as mais das vezes. Vive-se em sociedade e não se é livre... E raios partam o determinismo e o arbítrio e os filhos da puta dos gajos que inventaram essas merdas todas. Moral da hiatória: Há que aproveitar com afinco todos os momentos em que possamos desfrutar da expressa má educação! São revigorantes...

2009-02-13

Se critico, sofisticas-te e criticas. Se não critico, menorizas-te e criticas. Se claudico, aplaudes-me. Se me fico, beijas-me. E fazes tudo com o fingimento de quem deseja. Tens bico mas não tens crista. Dou-te um poleiro só teu.
Pista de seixos redondos e licenciosos, que ecoam nos vales profundos. Linha recta com curvas, deslize. Vaticíno do errante desaguar. As torrentes, como gosto das atordoantes torrentes...

O Zé

O Zé foi ao banco comprar dinheiro barato para depois o vender por caviar caro. Comia sempre caviar caro quando tinha visitas em casa, às colheradas de sopa, dizia-se nas redondezas. Um dia o Zé ficou mal do estômago. Sentia uma excrescência no abdómen da qual se poderiam retirar belos folheados. Mas o caviar sabia-lhe bem, sabia-lhe a sal, como aliás sabe todo o caviar. O Zé, no Natal, não comia couves, comia bróculos, que é como quem diz, comia couves que sabiam menos a couves que as couves, mas folheavam bem melhor o aspecto do prato. O Zé anda na rua com um mercedes. O Zé deve a vida ao banco, mas come caviar. O Zé é dono de si? Claro que sim, o Zé é o verdadeiro maior da sua aldeia! Isto porque os míudos, ao crescer, todos dizem em uníssono: um dia quero ser como o Zé! A propósito disso, a minha mãe teve um cabrito de estimação em miúda, chamava-se Zé-Zé!

2009-02-11

"On the waterfront"

No Inverno a água nunca estagna, razão pela qual não é costume ver-se lodo. No Inverno a água obedece ao universal sistema das torrentes, estagna apenas quando congela, nos dias de muito frio, nos picos bem altos e inatingíveis ao vulgar ser. As nascentes, essas, deitam água gelada no Verão e bem quente no Inverno. Curiosas as antíteses da Natureza... Ontem, enquanto trauteando pelo bosque, espiava as pequenas quedas de água, deliciei-me a ouvir as suas intempestivas vontades de existir, mas vim-me embora, como venho sempre. Ao fazê-lo, apercebi-me que afinal também havia lodo no Inverno, lodo cinzento, feito de alcatrão, que curiosamente também obedece ao universal sistema das torrentes e se espalha em aluvião pelos hediondos bosques das pessoas que não sentem, nem o frio, nem o calor. Numa palavra, o amianto é cancerígeno, dizem, embora nem congele, nem se liquefaça...

2009-02-10

Balanço do mês de Janeiro

  • À meia noite do dia 1 de Janeiro comprava tabaco em completo anonimato, com uma agradável depressão da qual, por saber a liberdade, desfrutei.
  • Tive princípios de pneumonia, aos quais respondi energicamente continuando a fumar dois maços de tabaco por dia, substituindo o ventil pelo português azul.
  • Ouvi Nico Muhly pela primeira vez na vida e gostei, embora isso me tivesse aproximado ainda mais da demência.
  • Tive medo de enfrentar "pessoas dignas e importantes", pelo que me fechei em casa a deprimir.
  • Voltei a arrastar obeliscos, a fazer muros de pedra e a plantar árvores.
  • Desisti da vontade de me tornar eremita caçador e recolector a tempo inteiro, mantendo a ideia inicial de o fazer em part-time.
  • Voltei a enfrentar "pessoas dignas e importantes", insultando-as refinadamente, por escrito e oralmente.
  • Comecei a jogar na bolsa e ganhei uns trocos - €77,00 de lucro total líquido até agora, infortúnios da virtude de fumar dois maços por dia.
  • Recuperei a auto-estima, com picos menos violentos.
  • Mandei umas quecas, algumas bem valentes, outras bem deprimentes, outras ainda com extrema cumplicidade, tipo miminhos em MDMA, o que me alegra.
  • Apanhei uma bebedeira ligeira com amigos e apercebi-me que nem todos os moínhos de vento me queriam mal.
  • Pensei em apresentar uma queixa crime de falsas declarações contra "pessoas dignas e importantes", mas hesitei.
  • Voltei a insultar refinadamente e por escrito "pessoas dignas e importantes".
  • Ajudei pessoas pobres, feias e esteticamente repugnantes.
  • Não consumo drogas desde 4 de Dezembro.

Conclusão: Sinto-me novamente o "maior da minha aldeia" (versão refinada) e penso para mim mesmo: Até posso ficar sem braços, pernas, pulmões e fígado, mas hei-de rapinar umas pestanas a "pessoas dignas e importantes". Ou seja, se todos fizessem como eu, os oftalmologistas eram milionários e o mundo, esse, "va de soi même"...

2009-02-09

Dez minutos e nove segundos

De vez em quando prende-se o tempo como se prende o burro.
E não deixa de ser curioso o acto de tentar encontrar cenouras para o tempo.

http://www.youtube.com/watch?v=H6_BWNzThJY

Restam 17h 49m 51s num dia normal.

Xalajar contra as inxóniaje

Ontem não sofri de insónias. Foi vê-lo (o Xalajar) e o sono chegou com a facilidade que há muito não lhe detectava... O Diogo Morgado é mesmo mauzinho, coitado... E o realizador daquela estapafurdice, quem será?

Última nota para o argumento..., é que até hoje nunca ninguém se tinha lembrado que o Xalajar fosse um garanhão. É vê-las com sonhos húmidos, aquele xotaque xéquechy...

2009-02-07

Abanar a cabeça desmesuradamente. Calcinar o corpo ao rural e estreito caminho da vida. Urbanizar a estrada do anónimo desejo de viver. Sentir frescura. Escorregar numa longa folha de estrelícia acabada de rebentar na primavera. Deitar o corpo no chão e levitar vontade. Correr pelas ruas freneticamente, na calma que se tem quando se dança a liberdade. Não antes pois porém de viver o que se vive. Abanar a cabeça desmesuradamente. Desmesuradamente querer. Fresca, solta, limpída. Obstinadamente desmesurar a vida.

2009-02-05

Tem piedade dele...


Com "visionários" destes é que a "coisa" não marcha...

Hoje, na visão, artiguinho de "prestígio e rigor". Vozes reputadas senhores!!!

Risco de crise e coiso, regresso a Marx e coiso... O Carvalho da Silva, "reputado economista", a dizer que sim e que era bom e que tinha que ser e coiso. O Braga de Macedo a dizer que não, que era o regresso ao Keynes e coiso. Mais brilhante ainda, que a solução para o problema passa inevitavelmente pelo sistema financeiro, que isso sim, é consensual... (e porque não acrescentar "e coiso"?)

Conclusão (minha): Não tarda nada a visão fecha, até porque, entre os artigos que publica e, pura e simplesmente dizer "coiso", a distância não é muita... Pior, ainda se pode ver enredada num mega-processo de atentado ao pudor público...

De qualquer modo, o português típico gosta de coiso, embora talvez não o admita... A lei do Sócrates, que aliás prevê o seu futuro casamento, atesta-o... Afinal de contas, "dizer coiso" é direito inalienável... Eu digo muitas vezes "vai pró coiso" quando me tentam chatear, e como eu há muitos... Para mais, como não tarda nada, não será só dizer coiso a constituir direito inalienável, mas também "ter coiso"!

Pelo que, desde já declaro efusivamente que, em mim, não há crise! Eu tenho coiso! Aliás, tenho dois coisos! O coiso com que nasci e a visão desta semana!!! Estou feliz e resisto à crise bem melhor que o Carvalho da Silva e o Braga de Macedo que, provavelmente, o único coiso que têm é a visão desta semana!

Para esses dois senhores: Com calma amigos, não tarda nada chega a lei do Sócrates e podem V. Exas passar a ter dois coisos: A visão desta semana e o que arranjarem... Ou isso ou cicuta, escolham, embora vos avise desde já que, com Sócrates, só brincavam os meninos... (os que ainda não tinham bem coiso)

2009-02-02

Havia um homem que forrava os bolsos de histórias e memórias. Não tinha nada, apenas bolsos e histórias e memórias. Era por todos apelidado de homem mau.
Um dia, o homem mau ouviu uma história que não quis guardar. Era uma história sobre um homem mau que forrava os bolsos de histórias e memórias. Quem lhe contara essa história fora um homem bom.
O homem mau, imbuído na maldade que arrecadara em histórias e memórias, logo levou as mãos aos bolsos, deles retirando uma história que demonstraria ao homem bom que este não tinha razão.
O homem bom não acreditou e, subitamente, começou também ele a procurar a razão nos bolsos. O homem bom não tinha bolsos, pois que não a encontrou.
Sacudiu a cabeça, augurando a razão algures perdida no meio da careca. Soltaram-se-lhe alguns cabelos, embora a razão parecesse ter sido roubada pelo último piolho que lhe povoara a já extinta cabeleira.
Nesse instante, pensou o homem bom pegar num machado e separar a cabeça em dois, num escavar mais profundo do que a mera busca superficial lhe permitiria.
Instintivamente, escolheu o homem bom não o fazer.
A razão estava encontrada...
Desse dia em diante, o homem bom remendou bolsos às calças, não mais deixaria de guardar histórias e memórias.
O poeta é um egoísta, um vigarista. Vigariza palavras todo o dia. O artista, é um optimista. Não é vígaro. Olha para a vida e logo a conquista. O poeta não é artista. O poeta é solidão, é cheiro, é umbilical sentir. O artista, por seu turno, nunca se vê obrigado a mentir. O poeta não vive debaixo do céu. O poeta é um pessimista. O artista faz revista, o poeta, esse, todos o perdem de vista. O poeta sente candura nos olhares, cheira cheiros nos lugares, quere-os. O poeta deseja, o artista inveja.
Matraqueio na soberba,
dizem

Molesto todos os que
maldizem

Abraço um desconhecido,
esqueço

Vivo escondido nas mágoas que
teço

Rumino vontade indómita
quero

fazer nuvens no chão que piso, enroscadas a um grão de areia que rego com lágrimas, planta verduga que nasci.

2009-02-01

Incendeia-se numa mão o consumível túnel do vício, como que pedindo à outra um esbanjar de palavras na branca folha, também ela combustível da paixão assolapada, químico desejo heterónomo do conosco reencontrar. Incendeia-se o sol, como peruca vegetativa de áureos pensamentos, arremessados à vedação do mundo que pensamos em nós não ter limite visível. Julgamos o espectro do horizonte, as quiméricas formas do distante luar, irrisória nascente que enche o caudal do generoso rio que nos consideramos. Simultaneamente, desmarginamos rumo ao infinito oceano de truculentas formas magistrais. Nadamos voltados a um tépido e incandescente bosque, áureo também ele no minério que nos perscrutamos. Faltam-nos barbatanas, máscara, óxigénio abundante. Deitamos mão à escamosa toca que logo fazemos cobrir a própria floresta pensante. Impedimos a vegetação de nascer. Foramos levados a acreditar no biológico sistema das torrentes. Sabemos. Sabemos claramente. Vemos dúbios horizontes em florestas queimadas que já não nascem. Infirmamos o eu da natureza celeste numa mina fechada. Matraqueamos ecos, barulhos, caprichosos escavares violentos. Mentimos cores no ilusório arco-íris da vida. Não é ouro, é sol. Seria sequer rio, mas mero depósito fictício de água turva, desinteressante, impotável à natureza circundante. É charco. Movediço charco. Há ondas, no mar. Há tempestades, ciclones, remoínhos do total. Podemos até andar sobre a água das marés, não duvido. Hei-de plantar uma árvore no oceano e alimentá-la de sal. Digo dissera que faço. Penso, ainda penso.