2009-04-29

Tinha uma forma peculiar de ver as coisas, a qual o deixava sempre extrair prazer das mais variadas circunstâncias. Sentia as coisas ao âmago e, quando estava feliz, não estava só por estar, era como que um brilho radioso lhe jorrasse da alma. Caía facilmente em depressão e dela retirava um gozo masoquista, melancolia soturna que também lhe inundava o espírito. Hoje, vê as coisas de outro modo. Não sente, nem a alegria, nem a tristeza. Como que está vazio num desespero sem sentido, abandonado que foi pelo privilégio do júbilo, como da dor. E vai-se perdendo lentamente, sem sentido que não sente. Vai desvanecendo aos poucos no que nada lhe interessa, sem sentido, nem vagar, nem pressa.

2009-04-27

Tenho dois estrunfes à minha frente a fumar charros e a ver desenhos animados estúpidos em modo crianças púberes, que riem à gargalhada por tudo e por nada... Pior, estou na minha casa...

Um dia destes ponho-os a andar... Nem o facto de olhar para eles com sentimentos misericordiosos me impedirá de o fazer... É a tal "cena" dos pobres de espírito...

2009-04-17

As origens da coisa

Indo eu não sei por onde
a pensar não sei em quê
fiquei assim não sei como
a chorar não sei porquê
E se um gajo, de um momento para o outro, se decidisse a comprar 82 hectáres? Será que a vida melhorava, ou as expectativas se tornariam desilusão?

2009-04-09

Cinéfilos

Há vários tipos de cinéfilos:
-Os que vêm filmes em barda no multiplex, sentem a emoção da sala, mas gostam da pipoca e não se importam com os ruminares alheios. Enternecem-se nas cenas bacocas de romance barato e acham o gajo do Braveheart magnífico.
-Os que se sentam numa cadeira do King semana sim semana sim, sentem comichão no queixo, pelo que nele assentam a mão, e nunca dão uma gargalhada, preferindo um constante sorriso tépido, como que significando a compreensão metafísica do humor refinado.
-Os que vêm televisão sábado e domingo à tarde que nem negros.
-Os que estão de ressaca sábado e domingo e vêm televisão que nem negros.
-Os que não perdiam o cinco noites cinco filmes e viam todos os dias um filme na RTP2 que nem negros, até porque não viviam perto do King.
-Os que vão às antestreias no monumental porque é giro (que nem negros).
-Os que papam curtas em festivais de cinema porque é giro (que nem negros).
-Os que acham que um filme é igual a um livro porque apenas vale pelo conteúdo.
-Os que acham que um filme é um objecto multisensorial que apenas terá valor pelos estímulos biológicos que acarreta.
-Os que têm paixões secretas por actrizes(ores) giras(os) e vêm os filmes deles (que nem negros).
E se calhar até há mais do que estes tipos de cinéfilos, mas agora não me lembro poque já começo a fritar o cérebro que nem negro...
Eu gosto de filmes, compreendo e prefiro a emoção da sala ao pequeno ecrã. Sou fã de actores expressivos e realizadores com bom gosto. Gosto de filmes light, até porque às vezes (cada vez menos) também estou de ressaca ao fim de semana. Gosto de filmes densos porque são densos. Gosto de filmes leves, porque são leves. Gosto de filmes carregados de emoção, crús ou cozidos. Não gosto de clichés porque não tenho pachorra para eles. Acho que um filme e um livro são coisas totalmente diferentes. Gosto mais dos filmes. Acho preferíveis os recursos limitativos da imaginação, mas sensorialmente manietantes. Sou tão intelectual como qualquer pessoa que goste de pensar e acho o cinema de autor, independente e faccioso apenas nas intenções do autor, absolutamente valorizável. Gosto de ouvir falar francês na tela e de longos planos sem diálogos quando os mesmos são leves. Gosto de narradores e vozes off. Gosto de montagens rápidas mas prefiro planos sequência. Não gosto nem posso ouvir falar de coisas como por exemplo "A bacia de Jonh Wayne" ou "O último ano em Marienbad", embora goste de "Hiroshima meu amor" (que nem negro!).
Conclusão: Sou um pan-cinéfilo e até acho que o Braveheart seria um grande filme se fosse realizado pelo Luc Besson, interpretado pelo Clive Owen e sonorizado pelo Clint Mansell!

2009-04-02

Se fosse visto na rua, carnívoro de espanto pelo que o olhar alcança, quieto, sentado na passadeira rolante dos sonhos, criança. Se fosse visto na rua, nu, despido de todos os que me rodeiam. Se fosse visto a sonhar vivendo, leve, palpitante, solto e macio como algodão. Se não fosse visto pela razão, apenas díspar nos disparates que se forçam. Se olhassem ao longe e vissem uma pena em balançar triste e descendente, contemplativamente observando o mundo devagar. Se foras visto sem pressas, como gostas. Se em três compassos de silêncio se gerasse a doce empatia que procuras. Se foras o que foste, que és, que desejas ser. Silêncio vago de sorriso fechado, gargalhada ausente na melancolia que não feres. Carro veloz, distante, silenciosamente vociferante. Janela quebrada com árvores que seguras carinhosamente, sem nexo aparente. Se fosses deixado viver o presente. Imagens passageiras que só sabe quem sente.