2010-04-14

Carícias Malícias

Sexta-feira passada saí à noite. O feito, em si, não tem nada de especial, e não irei sugerir ao atento leitor que se agarre bem à cadeira em virtude do alucinante relato que segue. Não. A noite foi entediante qb., e bastante semelhante a muitas outras que me têm levado a preferir a bricolage às incursões nocturnas pela cidade.

Saí do purgatório, fardado a rigor como em qualquer outro dia, e já em Lisboa sequestrei a casa de um amigo para trocar de roupa e me parecer ligeiramente mais com um ser humano.

Deixei o carro estacionado, fumei e antecipei coisas más pelo caminho, e acabei por chegar à praça onde tínhamos combinado o encontro.

Eu e os meus colegas de curso fazemos isto frequentemente. Combinamos uma jantarada (eles, mais resolutamente do que eu), bebemos uns copos (eu, em menor medida do que eles), queixamo-nos um pouco do trabalho, recordamos momentos dos antigamentes, insultamos os que não apareceram e procuramos um sítio para prolongar a noite.

Desta vez, a escolhida foi uma caixa de música no Cais do Sodré, onde um dj aparentemente meritoso, passava a música que havia de extasiar o resto da troupe e de me obrigar a mim, por fim, a recorrer ao álcool. Nestas alturas os copos servem dois propósitos: o da tolerância psicológica e o da intermitência física. O primeiro, toda a gente já o experimentou em alturas de menor predisposição para o que está a acontecer à nossa volta – bebe-se um pouco e, se a coisa der para o lado certo, ainda acabamos por nos rir um pouco. O segundo, é particularmente útil nos períodos em que os risos e sorrisos teimam em não surgir e se vai queimar uns minutos até a um bar apinhado – aparece-se e desaparece-se de ao pé dos foliões e espera-se que o próximo copo seja finalmente capaz de alinhar os espíritos.

Mas foi assim o resto da noite e o álcool pouco ajudou. Muita música má, muito bailarico e pouco estímulo.

Acabei por fazer as despedidas e decidi meter-me a caminho do cacilheiro, pois ainda que o meu espírito não estivesse alinhado com o dos meus parceiros, não o estaria certamente o da polícia.

Tirei bilhete, sentei-me na sala à espera do embarque, tirei umas fotos com o telemóvel e assisti durante meia hora às coreografias das gentes jovens da margem sul, até que os portões se abriram desimpedindo o acesso ao cais – aguardei um pouco, deixando passar em primeiro lugar os mais impacientes e saltitões, e levantei-me com o último terço da manada.

Estava no início da descida, caminhando em paço lento e vazio, quando senti uma mão acariciando-me a nuca. Em décimos de segundo pensei poder tratar-se de alguém meu conhecido com instintos furtivos e um desejo ardente; de um desconhecido que me tivesse confundido com o alvo da sua líbido; ou, mais provavelmente, de um rapaz com aspecto jovial à procura de alguém para uma sessão de estalada antes de ir dormir.

Foi esse o tempo que demorei a direccionar a minha cabeça e a encarar, por fim, uma grande negra que me olhava atentamente.
- Então,? gostas de mim? - perguntei com entoação querida e dengosa.
- Acho-te engraçado… - respondeu, não devendo nada ao meu afecto.
E assim fomos os dois, de braço dado, passo lento, descendo a rampa até ao barco que nos aguardava.

E não é que foi o melhor diálogo da noite?

3 comentários:

peterplanepane disse...

lol!
Eh páh, mas falta o resto que aguçou a curisidade... Não há resto?, pormenores sórdidos? Ou seja, resumidamente, foste dormir a casa? ;)

Anónimo disse...

:)
eh pá, o resto tornava a história numa comédia, fiquemo-nos por aqui...

Peter-Plane-Pane disse...

Comédia é bom pá! Mas respeita-se, embora reste uma enorme curiosidade relativamente a um facto do teu texto: Era mesmo assim tão grande?!? (a negra, claro está...)

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