2009-02-23

Enchidos gourmet - A sequela


Poderia falar sobre as novas variedades de azeite que são feitas actualmente, nomeadamente daquela raríssima iguaria usada na tibórnia d'ouro, com pepitas douradas flutuantes em líquido proveniente da azeitona. Poderia até dizer que "os especialistas dizem que o ouro é excelente para a saúde", como li num jornal regional de primorosa qualidade, aquando da divulgação deste novo produto. Mas não o vou fazer. Em jeitos básicos e simplórios, falarei apenas de uma das minhas últimas incursões no modelo continente.
Sequioso por reabastecer o meu stock de alheiras para, por mero devaneio, me poder deleitar ocasionalmente com o prazer de um desses singulares enchidos, acompanhado de dois ovos estrelados e servido com pão caseiro, eis que me deparo, numa airosa prateleira desse hipermercado, com um conjunto de cinco alheiras acondicionadas numa única embalagem e com um preço especialíssimo. Como estavam cheias de selos de qualidade, decidi aproveitar aquilo que, à primeira vista, me parecia uma promoção imbatível e assim realizar de forma plena o meu inicial desiderato.
Devo confessar que as ditas tinham muito bom aspecto e não negarei o facto indesmentível de alguma saliva se ter aglomerado no interior da minha gulosa cavidade bocal aquando do visionamento das mesmas.
Poucas compras mais fiz nesse dia, para lá de uma dúzia de ovos xl, após o que me pûs a correr para casa em grande alvoroço, com desejos gourmet que há muito não sentia, dignos de um qualquer campesino rural, ansioso pelo atulhar do odre. Pelo que, de uma forma bácora e aturdida, rasguei freneticamente a embalagem ao chegar a casa, concretização do prenúncio gastronómico em frigideira posto, que me tinha assolado a imaginação durante o bucólico passeio pela grande superfície.
Ao abrir a embalagem, reparei que a mesma exalava um odor nauseabundo, semelhante ao do rio Ganges em dias de calor sufocante. Rapidamente me passou pela cabeça uma imagem nefasta, que se concretizava num indíviduo grosseiro e dotado de gostos simplórios a literalmente esganar o Belmiro, com esguichos de sangue e vísceras por tudo quanto era canto.
Acalmei-me porém e, aventando a hipótese de o meu odor estar desvirtuado, fruto da sofreguidão pela imagem do enchido gordurento, que me preenchia o intelecto desde que encontrei a embalagem promocional, chamei a minha namorada, para que me pudesse dar uma segunda opinião acerca das fragrâncias por mim sentidas e que não eram bom prenúncio.
Acalmei-me quando a sua opinião foi de encontro à minha, voltando novamente a visualizar o Belmiro num auto de fé, sendo eu o carrasco maligno que velaria pela sua morte lenta e dolorosa.
Passados uns minutos, estando eu já resignado e ciente de que me tinham dado o banho e teria que voltar ao hipermercado para fazer a devolução da embalagem, sem que ninguém me pagasse honorários pela deslocação, e enquanto a minha namorada continuava a examiná-la minuciosamente, oiço da sua boca a seguinte frase:
-"Olha lá, isto são alheiras de sabores, diz aqui que duas são de caça, uma de avestruz, uma de caril e outra de noz e mel!"
Por esta altura estava desfeito o enigma, embora o cheiro da minha cozinha fosse já semelhante a um sortido de especiarias paquistanesas acepipado com laivos de catinga.
Solução: Separar as de caça e de avestruz das demais e embalar as restantes individualmente. (por esta altura, na minha cabeça, o Belmiro já tinha morrido há muito tempo e os seu defunto corpo apresentaria um aspecto semelhante ao do senhor Sadam aquando daquelas belas fotografias e vídeos que rodaram meio mundo)
Passados uns dias, e já depois de as três alheiras normais terem recuperado o seu áureo odor, na falta de melhor, decidi cozinhar, a título de experiência empírico-mata-bíchica, a de mel e noz, com vista a um possível enriquecimento do meu léxico gastronómico e, quiçá, descobrir a nova maravilha da humanidade sob a forma de ferradura.
Devo dizer que a minha namorada não viu a coisa com bons olhos, para mais estando ainda a desfalecer de uma recém contraída intoxicação alimentar que lhe enfraquecia todos os recantos do seu frágil aparelho digestivo. O cheiro exalado durante o acto da confecção não augurava grande petisco, embora o incentivo de um frigorífico despovoado parecesse, à data, um belo pretexto para uma experiência com enchidos gourmet.
Confeccionada a iguaria e apagado o fogão, logo me apressei a dar uma trinca na coisa. Não vou contar o que senti, porque há coisas que não lembro com saudade, mas recordo que, por uma questão de piada e até de algum sadismo jocoso, confesso, exibi uma expressão semelhante àquela que ostenta um miúdo pequeno aquando da primeira vez que prova fios de ovos, tudo isto para, numa partidinha de mau gosto, atordoar a minha cara metade com o prazer do enchido gourmet.
Estejam descansados que por isto não veio mal ao mundo, até porque ela teve o bom senso de cuspir o fragmento da exótica iguaria meio segundo depois de a ter levado à boca. Rimo-nos que nem uns perdidos durante uma boa meia hora e, penso, esta será a alheira mais marcante das nossas vidas.
Quanto à outra, a de caril, ainda está guardada no frigorífico, à espera de um qualquer amigalhaço que se apresente em nossa casa com apetite. Um qualquer que me venha com a conversa de que é muito selecto e que tem um paladar apuradíssimo e que só bebe whisky de 15 anos para cima e de que whisky novo não presta mesmo que seja irlandês e triplamente destilado e de que comida boa só na Bica do Sapato e tal. Que me apareça um desses que come logo com ela!

2 comentários:

Quizilol Prepeles disse...

Eheheh, com certeza que o problema era das vossas papilas grosseiras. Mas não desistam que o gosto educa-se!!!

Coitadinho do Belmirinho esturnicadinho na pira... Eh pá, mas dava um grande filme! Porque não escreves um guião sobre o tema???;)
Abraço!

Peter-Plane-Pane disse...

Eláh!!!! Estás por acaso a fazer-me alguma proposta acerca de cinema? ;)

Quanto à primeira questão, concordo que urge o treino gustativo... Amanhã vou já comprar uma panela de ferro e começar a tratar da construção de uma lareira de pé alto em casa. Isso ou um aquário com esturjões!

Um abraço! :)

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